No dia 2 de maio de 2023, o Sindicato de Roteiristas de Hollywood, WAG por sua sigla em inglês, uma aliança entre dois sindicatos que representam mais de 11 mil roteiristas no Estados Unidos, decidiu entrar em greve depois de seis semanas de negociação com a AMPTP (Aliança de Produtores de Cinema e Televisão), uma organização que representa os maiores estúdios e produtoras de Hollywood. A greve ainda continua e o futuro é incerto. Durante anos, roteiristas têm sido negligenciados pela indústria, e com o aumento das plataformas de streaming e o uso de inteligência artificial, não parece que a situação deles irá melhorar, a não ser que se façam ouvir. Aqui está tudo o que você precisa saber.

Por que os roteiristas entraram em greve?

Há vários motivos pelo qual os roteiristas decidiram entrar em greve, mas as principais são as demandas de ganhos residuais justos, pagamento mínimo por streaming, preservação da sala de roteiristas e regulamentação quanto a inteligência artificial. Vejam em detalhe:

Ganhos residuais

O que são ganhos residuais? São as compensações monetárias que os roteiristas, atores, diretores, entre outros, recebem por parte de um estúdio, produtora ou distribuidora por reestreias ou retransmissões em TV e venda das produções em que participaram. Os ganhos residuais são calculados levando em conta os acordos negociados e dependem de certas variáveis (como assinatura, tempo de produção, tipo de produção, etc.)

Agora, os roteiristas estão lutando por pagamentos maiores de ganhos residuais. Por que? Porque quando uma produção é vendida para uma plataforma de streaming, a empresa paga um único ganho residual fixo por produção. Isso significa que os escritores recebem só um pagamento mínimo, não importando se a produção obtém mil ou milhões de visualizações.A plataforma ganha muito dinheiro enquanto as pessoas que fizeram o filme ganham alguns trocados.

Sean Gunn, ator que interpretou o adorado Kirk Gleason em Gilmore Girls, disse: “Participei da série de TV chamada Gilmore Girls, a mesma que, quando foi para o streaming, gerou lucros imensos para a Netflix. Foi uma das séries mais populares da plataforma por muito tempo, mais de uma década. Ela é vista no streaming de novo e de novo pelo público, mas eu não recebo quase nada do faturamento arrecadado.”

No entanto, tudo era diferente quando a televisão governava a indústria…

Plataformas de streaming

Para entender o problema atual com as plataformas de streaming, primeiro temos que destacar como o cenário da indústria mudou drasticamente nos últimos 10 anos. Agora temos produções de TV e produções de streaming. As produções de TV são aquelas que crescemos assistindo: começavam em setembro, tinha 20 a 22 episódios semanais com pausas para comerciais e terminavam em maio do outro ano. As produções de streaming têm uma estrutura diferente: elas começam a qualquer momento do ano, geralmente com 8 episódios e não têm pausa para comerciais.

O que isso significa? As produções de streaming têm temporadas menores, o que resulta em menos trabalho e menos dinheiro para roteiristas. O que costumava ser um trabalho de 40 semanas agora é de 20. Antes tinha algum tipo de estabilidade e durabilidade, mas agora não tem nada disso.

Na greve de 2007, o WGA garantiu que qualquer produção distribuída online deveria estar regida pelo Acordo Básico Mínimo (MBA, por sua sigla en inglês) do sindicato, que é o salário mínimo a ser paga para seus membros. No entanto, hoje em dia os estúdios negociam a taxa do roteirista individualmente, ao invés de seguir o MBA, gerando uma grande lacuna entre aqueles que escrevem para TV e aqueles que escrevem para streaming, apesar do trabalho ser o mesmo.
Outro ponto importante para roteiristas é o conhecido “mini room”, uma prática cada vez mais usada com o aumento exponencial dos programas de streaming. A diferença com a sala de roteirista normais é que o modelo mini-room contrata menos roteiristas por um período de tempo mais curto, o que significa que as mentes por trás da trama não sabem o que acontece durante a etapa de produção e não podem fazer ajustes nos roteiros.

Inteligência artificial (IA)

Está mais do que claro que a IA veio para ficar. Evoluindo cada vez mais. Mas ninguém quer perder seu trabalho para ela. Os estúdios querem que as máquinas criem roteiros completos para reduzir custos e pagar aos roteiristas o mínimo para que revisem os textos. Aqui é onde o WGA intervém e exige que tenha uma porcentagem de intervenção humana no progeto.

Nenhuma máquina pode substituir o trabalho humano. E, vamos ser honestos, nenhuma máquina poderia ter pensado em um final melhor para  Breaking Bad (2008) do que um humano.

Quais produções serão mais afetadas pela greve?

As consequências da paralisação não serão vistas tão rapidamente, mas a audiência está começando a sentir os efeitos. Há meses que não temos episódios novos de programas noturnos, já que são escritos um pouco antes do dia da gravação, como Saturday Night Live, Jimmy Kimmel Live! e The Tonight Show Starring Jimmy Fallon. Estes são alguns dos programas que estão repetindo episódios na TV.

Algumas produções já estavam em andamento quando a greve foi anunciada, o que significa que séries como Abbott Elementary, American Dad, Family Guy, Cobra Kai, Os Anéis do Poder e A Casa do Dragão serão suspendidas até que WGA chegue em um acordo com a AMPTP.

Os serviços de streaming são os que menos sofrerão, já que produzem seus conteúdos com meses de antecipação. No entanto, não tão totalmente imunes, cedo ou tarde também terão consequências pela greve. Quem sim está mais sofrendo é a TV aberta, já que seu negócio funciona graças às publicidades nos intervalos dos programas. E todos os programas requerem um roteiro, e no momento, isso não é possível.

Se queremos ver nossas séries favoritas, os grandes chefes devem concordar com aumento de salários, estrutura de pagamento estável, contratos justos e regulamentação em relação ao uso da inteligência artificial. Nada mais justo, não é?

Celebridades se unem à luta

A SAG-AFTRA (Sindicato de Atores de Cinema – Federação Estadunidense de Artistas de Rádio e Televisão), o maior sindicato de Hollywood, anunciou em uma conferência de imprensa no dia 13 de julho que se juntaria à greve dos roteiristas após uma decisão unânime. Desde 1960 que WAG e SAG não entram em greve juntas. Sim, é isso mesmo, faz 63 anos. Esta paralisação geral deteve diversas produções do mundo todo, as quais já estavam atrasadas pela greve dos roteiristas. As consequências talvez não sejam imediatas para o público, mas definitivamente será visível nos próximos meses.

A presidente do SAG-AFTRA, Fran Drescher, mais conhecida pelo seu papel protagonista em The Nanny, disse na conferência: “Sinceramente, não acredito no quão distantes estamos em tantas coisas. É repugnante. Deveriam se envergonhar. Eles estão do lado errado da história. (…) Não dá para mudar o modelo de negócio tanto quanto ele mudou e não esperar que o contrato mude também. Não vamos continuar fazendo mudanças incrementais em um contrato que não honra mais o que está acontecendo agora com esse modelo de negócios que nos foi imposto. O que estamos fazendo… movendo móveis no Titanic? É uma loucura.”

Reflexões finais

Como sociedade, não é novidade ouvir que um sindicato pede por condições de trabalho melhores e salário justo. E este caso não é diferente. Só no ano passado, as plataformas de streaming faturaram mais de 30 bilhões de dólares americanos, 17% mais do que no ano anterior. As demandas dos roteiristas são coerentes, então a luta continuará por algum tempo. Os estúdios devem ter consciência de que “estão do lado errado da história”, como Drescher disse. Eles têm que tratar seus trabalhadores com respeito e, para fazer isso, eles precisam pagar tudo o que eles merecem.

O que você pensa sobre esta greve, MyFamilier? Acredita que eles irão chegar a algum acordo em breve? Deixe um comentário! Adoramos ouvir a sua opinião.